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WOODSTOCK BRASILEIRO - O SOM DA RESISTÊNCIA!
Filosofia e liberdade em Saquarema 76
Publicado em 03/11/2025 08:00
NOTÍCIAS

NOSSO WOODSTOCK BRASILEIRO: o festival que a prefeitura de Saquarema esqueceu

 

No verão de 1976, a areia de Saquarema recebeu mais do que surfistas, mas uma tribo moderna de buscadores de liberdade. Entre ondas e pranchas, um festival de rock reuniu artistas que pareciam carregar a alma de toda uma geração. Rita Lee trouxe seu humor ácido e irreverente, de uma “Ovelha Negra” celebrando a liberdade individual e a transgressão que se tornou marca da contracultura brasileira. Made in Brazil, com sua fusão de rock pesado e jazz progressivo, evocava tempestades sonoras em que a guitarra parecia dialogar com o mar. Vimana, com seus teclados etéreos e solos longos, transportava o público para dimensões quase místicas, um rock experimental que lembrava que a música podia ser ponte para o transcendental. Bixo da Seda, pioneiro do Rock gaúcho, dançava entre o psicodelismo e a sofisticação instrumental, misturando rock progressivo com poesia sonora, como se cada acorde fosse uma história a ser sentida. Flavio Y Spirito Santo imprimia energia crua e visceral, guitarras e vozes em frenesi, quase ritualísticas. Ronaldo Resedá, com sua suavidade e melodias delicadas, equilibrava a euforia da praia com momentos de introspecção. Flamboyant trazia a sensualidade tropical e a cadência quase dançante, enquanto Angela Ro Ro oferecia a intensidade emocional de sua voz negra, carregada de dor e desejo. E, por fim, Raul Seixas, o “Maluco Beleza”, conectava humor, filosofia e crítica social, suas músicas como “Metamorfose Ambulante” e “Ouro de Tolo” convida todos a repensar o mundo e a si mesmos, propondo uma SOCIEDADE ALTERNATIVA formando um ritual coletivo de música, corpo e espírito.  Mas a história da região antecede guitarras e amplificadores.

Ali, os tamoios viveram em comunhão com a natureza, até serem massacrados pelos colonizadores portugueses durante a Confederação dos Tamoios. Décadas depois, o festival de Saquarema ressurgia como um gesto de reconexão com essa vida integrada à terra e ao mar. A contracultura hippie, com cores, cabelos soltos e corpos dançantes, encontrou na praia um templo tropical, refletindo a mesma mensagem dos antigos indígenas: a liberdade está na comunhão com o mundo natural. Cada acorde de Raul Seixas, cada experimento sonoro do Bixo da Seda, ressoava como eco de uma história negada, lembrando que a música pode ser resistência e memória. Se Woodstock nos Estados Unidos simbolizou a contracultura, Saquarema foi o Woodstock brasileiro: intimista, intenso, e profundamente ligado à terra. A areia e o vento pareciam participar do espetáculo, transformando cada instante em rito. A memória dos tamoios parecia sorrir através da festa, enquanto surfistas, músicos e jovens celebravam a vida e a liberdade. O festival mostrou que o humano não é senhor da natureza, mas parte dela, e que a verdadeira revolução começa na harmonia com o mundo. Saquarema 1976 não foi apenas música: foi filosofia viva, resistência cultural e reconciliação histórica. Hoje, ao lembrar aquele verão, sentimos reverência e nostalgia, reconhecendo que o festival foi muito mais que um evento; foi a prova de que a liberdade pode ser cantada, dançada e vivida.

 

 

 

WELLINGTON LIMA AMORIM é professor de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, surfista de ideias e viajante do tempo com Marty McFly e seu capacitador fluxo, ficando sempre  entre Hegel, Heidegger, e o rock psicodélico., decifrando a existência ou a ética e se perdendo nas ondas da contracultura, revisitando festivais, vinis antigos e sanduíches de história. Apaixonado pelo Brasil dos anos 70, Wellington acredita que a filosofia também dança, canta e protesta e que o espírito de liberdade de Woodstock ainda pulsa nas areias de Saquarema. Entre aulas, cafés e leituras noturnas, ele convida alunos e leitores a questionar, sonhar e, acima de tudo, viver a filosofia como quem vive em um festival de Rock que não se quer esquecer.

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